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Sebastianistas e quixotescos na espiral da reinvenção.

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Com os tempos da escola.


               Vivemos um tempo de ego-ísmos, de um voltar-se para um universo interior, muitas vezes estéril e carregado de tensões e contradições, estas que atravessam singularmente o drama da contemporaneidade ou ainda - de todos os tempos, se pensarmos o homem em sua ânsia de conhecer a vida e o que há nela de mistério, o homem amarrado a um mundo desconcertantemente desumanizado, pleno de angústias coletivas, de incertezas em face de um amanhã, marcado por guerras, medos e outras aflições universais. Sentindo-se comprimido, diminuído em sua essência, ao pensar que a técnica e a evolução das ciências o esmagam sob seu peso, o homem da atualidade, da sociedade da informação, torna-se ao mesmo tempo inventor e fugitivo dos (des)confortos que cria, fugindo da realidade única que julga conhecer.

Vivemos um tempo no qual, como diria Eduardo Galeano, o individualismo torna-se instituição. Todos se voltam para os seus próprios umbigos, deixando de ver e viver as relações e realizações sociais coletivas. Fazemos parte de um mundo onde as tecnologias alcançam descobertas inovadoras a cada dia, onde a concorrência e a aculturação desmedida ajudam a evidenciar a crescente desconfiança que cultivamos em relação aos outros, até mesmo em relação aos nossos pares. Isso nos faz deixar passar questões essenciais à vida, por estarmos sempre trancafiados nas cadeias de segurança máxima, incutidos nas idéias e padrões pré-estabelecidos, nos preconceitos incabíveis e infundados de uma sociedade que se torna cada vez menos relacional. Somos comandados pelo mercado e pelas negociações e oscilações que o envolvem. Isto tem valido até para as relações humanas. E aos poucos nos tornamos desmemoriados do presente, a ponto de esquecermos que nascemos, criamos e reinventamos a vida, re-significando as diversas realidades a partir da interação com os outros e com o mundo, desse lugar da real-ação que, mediado pela experiência e por uma poética da existência, nos impulsiona a sere fazer.

                Vivemos um tempo de solidão dilacerante, aumentada por uma profunda angústia frente aos projetos de futuro. Essa angústia permanente, que caracteriza uma determinada face do cotidiano, resolve-se no tédio infinito sem o mito da crença. De fato, se perdemos o contato com o que há de esperança na crença, maior é a sensação perene de perda. Se a fé está morta, e se humanamente não vivemos sem crenças, só nos resta um longo tempo para gastar e consumir.

               Diante disso, será que matamos o tempo ou é ele nosso assassino? Quantos tempos existem dentro de nós e dentro do próprio tempo? Qual deles prevalecerá? O tempo dos ressentimentos? Das memórias engolidas? Das reminiscências ancoradas que devolvemos mais tarde aos outros e a nós mesmos? O tempo de Zeus? O tempo que virá para fechar o ciclo de domínios de Cronos que, ao engolir os seus e os nossos filhos, tenta devorar nossas esperanças?

              Acredito que o tempo das instituições esteja sim no tempo de Cronos, mas sei que há também o tempo poético das beberagens que vivem de lembranças e projetos, podendo sempre reascender e alimentar o nosso sentimento de crença no passado e no futuro, sendo os dois apenas o que há de presente. A escola, sendo instituição, está no tempo cronometrado, capitalizado, esquartejado entre as tantas disciplinas, o tempo da grade curricular.

                E é possível indagar: de quantos tempos nós, educadores, precisamos para orquestrar o tempo que a escola demanda ao tempo que desejamos para as nossas práticas instituintes: seis, quatro, dois? E sendo os tempos escolares finitos, marcados por vários términos e começos, como libertar da chaga do determinismo a relação que se mantém com os conteúdos, aqueles trancados em armários e cabeças, por vezes reduzidos à arrumação dos escaninhos

               Talvez a decisão de quantificar o tempo ao invés de qualificá-lo venha fazendo de muitas escolas o que faz com as mais diversas instituições, um lugar de onde se quer fugir para viver o tempo, perder o tempo, saborear o tempo do lado de fora.

                Mas apesar das limitações do tempo de Cronos, o tempo da escola está também no tempo de Kairós, no tempo da oportunidade que nos leva ao tempo do imaginário e da transformação. O tempo da escola se faz cheio de passagens a serem desvendadas, experimentadas por nossa curiosidade e ousadia. Está no tempo da água viva, tempo que faz de nós, educadores e educandos, viventes e milagreiros de um mistério-mundo, ora sebastianistas, saudosistas a espera do retorno de Dom Sebastião, renascidos coragem. Ora quixotescos, enfrentando os moinhos de vento do presente como ternos visionários a espera de vivermos um tempo de luta, mas com crença e encanto.


Patricia Porto

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