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Mostrando postagens de 2011

Diálogo com as pedras: Eu também já fui chamada de burra.

Imagem: Sebastião  Salgado, São Juan, 1979.              Algumas experiências da minha infância marcaram definitivamente a minha trajetória discente e depois, por desejo e necessidade, as mesmas experiências me ajudaram a constituir a minha trajetória docente.  Uma dessas experiências foi a de ser diagnosticada com dislexia aos dez anos idade. Lembro da irmã capuchinha, professora de português do Divina Pastora dizendo a minha avó num misto de pena e constrangimento: “_ O que acontece, dona Josefa, é que a sua neta tem apresentado muitos problemas na leitura, na escrita e na comunicação. E depois dos testes, das muitas avaliações que nós fizemos se pode afirmar que o que ela tem mesmo é dislexia.”             Minha avó tampouco se abateu: “_ Irmã, isso faz o quê? Mata!?”  “Não, não matava!” Foi o que a irmã respondeu a minha avó.  Mas eu me lembro bem de sair da sala da diretora com um novo campo de palavras na cabeça, uma nova semântica: “leitura, escrita, timidez, não fala,

Lygia Bojunga

Ilustração Liz Amini-Holmes. Muitas vezes meus leitores perguntam o que me inspirou para escrever tal livro ou para criar tal personagem. Quantas vezes já se disse, não é mesmo, que inspiração é sinônimo de trabalho, e mais trabalho, e mais trabalho? Eu concordo. Mas, para começar o meu trabalho, eu preciso de um estímulo que, feito um palito de fósforo, risque a minha imaginação, produzindo a faísca e, em seguida, a chama que vai clarear o caminho. É a partir desse risco que eu crio, que eu procuro dar vida aos meus personagens e, se consigo, eles passam a dar vida aos meus livros. Várias vezes, artistas plásticos já riscaram a minha imaginação, incendiando meu pensamento. Às vezes, brasileiros; às vezes, pertencentes a outras culturas. Estou me lembrando agora que pelo menos três de meus livros (A Casa da Madrinha, Corda Bamba e Retratos de Carolina) tiveram, como ponto de partida, o estímulo criado por uma determinada imagem. Outras vezes, o que estimula a minha imaginação vem

Dia D. Carlos Drummond de Andrade.

Ah, se eu me chamasse Drummond... Do Instituto Moreira Salles: http://diadrummond.ims.uol.com.br/ Criação e comemoração do dia D , dia de celebração da poesia drummondiana. No site oficial tem notícias, eventos e curiosidades sobre o poeta.   Escolhi entre tantos poemas aquele me faz suspirar como se fosse sempre a última a primeira leitura. Talvez porque eu me sinta um Elefante. Porque minha timidez fez de mim sempre um Elefante que não sabe onde se colocar. E que por isso vive sempre "desloucado", engolindo o próprio coração. E disse Drummond:   O ELEFANTE Fabrico um elefante de meus poucos recursos. Um tanto de madeira tirado a velhos moveis talvez lhe dê apoio. E o encho de algodão, de paina, de doçura. A cola vai fixar suas orelhas pensas. A tromba se enovela, e é a parte mais feliz de sua arquitetura. Mas há também as presas, dessa matéria pura que não sei figurar. Tão alva essa riqueza a espojar-se nos circos sem perda ou corrupção. E h

O Palhaço: Filme de Selton Mello. Os Palhaços: filme de Fellini. E as meninices do mundo.

Dois Filmes imperdíveis! A mágica circense narrada com singularidade e maestria. A melancolia e o realismo plástico comungados num lirismo imagético e delicado da narrativa.  Na estréia de "O Palhaço", Selton Mello citou uma frase célebre de Machado de Assis, "a esperança é a meninice do mundo". A frase faz parte do livro "Esaú e Jacó".  Os palhaços de Fellini e os palhaços de Selton Mello esbanjam meninices e experiências de esperança genuína. Um primor!

Congresso Infâncias e Brinquedos de Ontem e Hoje.

10 A 13 DE OUTUBRO www.portaldobrinquedouff.com.br L’enfant du jouet contemporain (A criança do brinque-do contemporâneo) Gilles Brougère Gilles Brougère é professor de Ciências da Educação na Universidade Paris XIII. Dirige, na Universidade de Paris-Nort, o programa de formação em nível de terceiro grau, único na França, consagrado à brincadeira e ao brinquedo. É formado em filosofia e em antro-pologia, realiza desde o final dos anos 70 pesquisa sobre o brinquedo e sobre as relações entre a brincadeira, a educação e a pedagogia pré-escolar. Recebeu em 2002 o prêmio Brio Prize por seus diversos trabalhos sobre o tema brinquedos e brincadeiras. É autor de vários livros dentre eles: Jogos e Educação e Brinquedo e Cultura. Infância e tempo: tempos de infância Walter Kohan Walter Omar Kohan é Pós-Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris 8. Professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Te

Adoção, Doação em Ação... Transformação.

Ela nasceu no interior da Paraíba e tinha uns olhos gigantes, de um verde contrastante com a terra seca do sertão. Corpo de recém-nascido e já maltratado pela seca e pela fome, pesava cerca de três quilos aos sete meses de vida. Desenganada pela sorte, desnutrida, castigada pela natureza e pela desnatureza social que aparta os excluídos, foi assim que um dia chegou às nossas vidas. Não tinha roupa, não tinha certidão de nascimento, não tinha um nome sequer... Chegou num ônibus da Itapemirim com outros retirantes, retirados, desnutridos, refugiados de uma guerra sem fim contra a miséria e o abandono. Chegou à nossa casa usando um saco plástico como fralda. Deixada para morrer pelo desengano da vida, chegou abandonada como tantas outras crianças, filhas e filhos do mesmo destino de nascimento e que por teimosia de uma força inexplicável, sobrevivem aos sacos jogados ao lixo, aos córregos e rios; crianças, bebês por vezes deixados, lançados pelas mãos daqueles dos quais se esperariam

"Hereros": Exposição de fotos de Sergio Guerra, no Museu Afro Brasil.

                 No Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes exposição de fotos Hereros-Angola traz imagens do brasileiro Sergio Guerra, no Museu Afro Brasil. São 100 fotos com a curadoria de Emanoel Araujo, revelando o modo de vida e as tradições do povo angolano (Hereros). O Museu Afro Brasil, instituição da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, fica no Parque do Ibirapuera, Portão 10, telefone: 11.3320.8900 – www.museuafrobrasil.org.br

Por ser criança.

Imagem: Henri Cartier-Bresson                        (Bartolomeu Campos de Queirós)                Por ser ainda criança, também seu olhar é jovem. E por ser criança, ela tem a fantasia como instrumento para explicar o mundo. E com desmedo da liberdade, guiada pela espontaneidade, ela invade tudo que seu olhar alcança sem duvidar de seu entendimento. A fantasia é sua verdade. Mas não é fácil ser criança. O mundo é muito vasto e a vida, muito pequena. Há ilimitadas coisas para suspeitar e muitas para adivinhar. As cores trocam de nuances, as nuvens se movem sempre, os sons trocam de tons, o dia se faz noite, as estrelas dormem com a luz do sol, as chuvas caem do nada, a curiosidade pela língua dos animais, o trajeto incontrolável do tempo e o vazio vão até o muito longe. E o mais difícil em ser criança é desentender o porquê da dor, desconhecer onde a boca busca o sorriso, porque a lágrima é de sal, não saber o percurso do mundo, onde vivia o sonho antes de ser sonhado, e quem de

O discurso oral e as possibilidades de diálogo entre Literatura e História.

(Trechos do Livro: Narrativas Memorialísticas por uma arte docente na Escolarização da Literatura) Patrícia de Cássia Pereira Porto A literatura é vida e a história foi vida real no tempo em que não era história. ...tudo quanto não for vida, é literatura. A história também. A história, sobretudo, sem querer ofender. (José Saramago - História do Cerco de Lisboa)             João do Rio, grande cronista carioca do início do século XX, costumava trazer para as suas crônicas, personagens reais. Era de seu costume como um bom flâneur, andar pelas ruas do Centro da cidade do Rio de Janeiro, observando os transeuntes, os trabalhadores de rua: os ambulantes, os homens-sanduíches, as prostitutas, os malandros da Lapa, os artistas da noite:              Eu amo a rua. Esse sentimento e natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos