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Dislexia: "Vivendo Disléxica-mente"


Definição da Dislexia

A nova definição de Dislexia
(Evolução e comparação com a definição original)
(Tradução e adaptação do “Annals of Dyslexia” volume 53, 2003, por M.Ângela N. Nico e José Carlos Ferreira de Souza)


A NOVA DEFINIÇÃO DA DISLEXIA
Definição de 1995
 (G, Reid Lyon)

“Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico de origem constitucional caracterizado por uma dificuldade na decodificação de palavras simples que, como regra, mostra uma insuficiência no processamento fonológico.Essas dificuldades não são esperadas com relação à idade e a outras dificuldades acadêmicas cognitivas; não são um resultado de distúrbios de desenvolvimento geral nem sensorial. A dislexia se manifesta por várias dificuldades em diferentes formas de linguagem freqüentemente incluindo, além das dificuldades com leitura, uma dificuldade de escrita e de soletração.”


Atual definição de 2003 (Susan Brady, Hugh Catts, Emerson Dickman, Guinevere Eden, Jack Fletcher, Jeffrey Gilger, Robin Moris, Harley Tomey and Thomas Viall)
“Dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de origem neurológica. É caracterizada pela dificuldade com a fluência correta na leitura e por dificuldade na habilidade de decodificação e soletração. Essas dificuldades resultam tipicamente do déficit no componente fonológico da linguagem que é inesperado em relação a outras habilidades cognitivas consideradas na faixa etária .“
“Dislexia é um distúrbio específico de aprendizagem ....
Esta definição identifica a dislexia como uma dificuldade específica de aprendizagem ao contrário dos termos mais gerais para distúrbios de aprendizagem. Enquanto esta categoria geral de dificuldade inclui uma grande variedade de distúrbios de audição, fala, leitura, escrita e matemática (USOE 1997), nós recomendamos (Fletcher et al., 2002; Lyon, 1995) que essa categoria deva ser descartada por ser um termo geral a esse distúrbio, quando se discute dificuldade de leitura. Sugerimos que se deve discutir distúrbio específico, definido em termos de domínio operacional coerente. Do ponto de vista epidemiológico, dificuldade de leitura, afeta pelo menos 80% da população. Isto constitui o mais prevalente tipo de distúrbio de aprendizagem.Como já foi dito antes Lyon (1995) é importante reconhecer que muitos indivíduos com dislexia têm também deficiência e comorbidades em outras áreas cognitivas e acadêmicas como v.g. : a atenção ( Schnkweiler, at al.,1995; B.A Shaywitz, Fletcher, & S.E.Shaywitz,1994), matemática ( Fletcher & Loveland, 1986 ) a soletração e expressão escrita (Lindamood, 1994; Moats,1994).Essas observações de comorbidades não vão ao encontro da especificidade da definição proposta da dislexia, mesmo porque características cognitivas como déficit de atenção e matemática são bem diferentes daquelas características de cognição, associadas ao déficit na habilidade básica para leitura (Lyon, Fletcher, & Barnes, 2003).
.... que é de origem neurobiológica.
Essa frase mostra um grande avanço na compreensão das bases neuronais da dislexia nos últimos oito anos, desde a primeira definição e vai muito além da frase “de origem constitucional (1995). Suspeitou-se da origem neurobiológica da dislexia há mais de um século. Em 1891 uma neurologista francesa, Djerine, sugeriu que a porção posterior do lado esquerdo do cérebro é crítica para a leitura. A partir de Djerine, uma grande quantidade de trabalhos a respeito da inabilidade na aquisição da leitura (alexia) descreve as lesões neuroanatômicas mais encontradas localizadas na área parietal-temporal (incluindo o giros angular , supramarginal e as porções posteriores do giro temporal superior) como a região principal no mapeamento da percepção visual para a impressão das estruturas fonológicas do sistema da linguagem,( Damásio). Outra região posterior do cérebro (mais ventral na área occipto-temporal) foi também descrita por Djerine (1892) como crítica para a leitura. Mais modernamente a investigação neurobiológica usa cérebros de disléxicos mortos,(Galaburda, Sherman, Rosen, Aboitz, & Geschwind,1985), Morfometria craneana (Brown, et al., 2001; Eliez, et al., 2000; Filipek, 1996) e Imagem de Ressonância Magnética por Tensão Difusa (técnica que acessa a conectividade das fibras nervosas cerebrais). Esse método dá uma estimativa da orientação das fibras e da anisotropia (qualidade peculiar a certas substâncias cristalizadas de reagir de modo diferente a outros fenômenos físicos: como propagação da luz , calor, crescimento do cristal , dureza etc) tecidual para estabelecer seu caminho, segundo a direção considerada capaz de produzir dupla polarização. Fornece informação sobre conexões na matéria branca. Essa informação é de interesse no estudo da neurologia, psiquiatria e distúrbios de desenvolvimento e (Klingberg, et al.,2000) suporta a crença de que há diferenças nas regiões temporo-parieto-occiptais no cérebro entre disléxicos e leitores sem dificuldade.Talvez a mais convincente evidência para base neurobiológica da dislexia vem dos achados das investigações sobre a imagem funcional do cérebro. Mais do que examinar por autópsia cerebral ou medir o tamanho de regiões do cérebro usando dados morfométricos estáticos, e imagem funcional oferece a possibilidade de se examinar o cérebro funcionando durante uma tarefa cognitiva. Em princípio a imagem funcional do cérebro é muito simples. Quando é pedido para um indivíduo realizar uma tarefa cognitiva simples, essa tarefa demanda processamento em regiões particulares do sistema neuronal cerebral. Para atingir o resultado, é necessário, ativação de sistemas neuronais específicos em regiões cerebrais e estas mudanças de atividades neuronais podem ser medidos por técnicas de imagem funcional por ressonância magnética (fMRI) e magnetoencefalografia (MEG). Como os procedimentos de (FMRI) e (MEG) não são invasivos e são seguros, podem ser usados repetitivamente, propriedade ideal para estudar pessoas, especialmente crianças.
Uma grande variedade de investigações neurobiológicas por cientistas de todo mundo, tem documentado o sistema neuronal para a leitura em disléxicos através das linguagens e culturas.
Usando imagem funcional do cérebro de adultos disléxicos leitores, é evidente a falha no hemisfério esquerdo posterior cerebral que não funciona adequadamente à leitura, (Brunswick, McCrory, Price, Frith & Frith 1999; Helenius, Tarkiainen, Cornelissen, Hansen, & Salmelin,1999; Horwitz, Rumsey, & Donohue,1998; Paulesu, et al., 2001; Rumsey, et al.,1992; Rumsey et al.,1997; Samelin, Service, Kiesila, Uutela, & Salonen,1996; S.E. Shaywitz, et al .,2003; E.Shaywitz et al.,1998; Simos, Breier, Fletcher, Bergman, & Papanicolaou, 2000). Assim também tarefas de processamento não visual (Demb, Boynton, & Heerger,1998; Eden, et al.,1996) nos sistemas anteriores especialmente envolvendo regiões ao redor do giro frontal inferior também têm sido implicados na leitura.Em trabalhos com indivíduos com lesões cerebrais (Benson, 1997) assim como imagens funcionais cerebrais (Brunswick, et al.,1999; Corina, et al., 2001; Georgiewa, et al.,1999; Gross-Glenn, et al .,1991; Paulesu, et al.,1996; Rumsey, et al ,1997; S.E. Shaywitz, et al.,1998).Essa evidência neurobiológica de disfunção nos circuitos de leitura no hemisfério esquerdo posterior, está evidente em crianças com dificuldade de leitura causadas por falta de estímulos.(Seki, et al., 2001; B. Shaywitz, et al.,2002; Simos, et al. , 2000; Temple, et al.,2001).
Esses dados permitem aos cientistas e clínicos usar o modelo de trabalho dos sistemas neurais para leitura baseada num histórico trabalho de Djerine e em uma teoria mais moderna de Gordon Logan. Logan (1998,1997) propôs dois sistemas críticos no desenvolvimento das habilidades do processamento automático. Um envolve a análise da palavra separando-a em fonemas e isto requer atenção e seu processamento é relativamente vagaroso. O segundo sistema opera na palavra como um todo.É um sistema obrigatório que não requer atenção sendo processada muito rapidamente. Dados convergentes de linhas de investigação indicam que o sistema de análise de palavras de Logan está localizado dentro da região parietal-temporal enquanto que a nomeação rápida automatizada é localizada dentro da área visual da palavra (Cohen, et al., 2000; Cohen, et al ., 2002; Dehaene, Le Clec'H, Poline, Lê Bihan,& Dehaene, 2003, et al., 2001; McCandliss, Cohen & Dehaene, 2003; Moore & Price,1999). A área visual da palavra parece responder preferencialmente a estímulos apresentados rapidamente (Price, Moore, & Frackowiak,1996) e está ligada mesmo quando a palavra não tenha sido conscientizada. (Dehaene, et al.,2001).È esse sistema occiptal-temporal que parece predominar, quando o leitor se torna hábil e junta tudo como uma unidade ortográfica, fonológica e semântica de palavras.
É caracterizada por dificuldade no reconhecimento fluente da leitura e pobre habilidade de decodificação e soletração de palavras simples.
Essa definição substitui a de 1995 que se refere simplesmente a “dificuldade de decodificar uma palavra”. A nova definição amplia esta frase referindo-se especificamente ao reconhecimento correto das palavras (identificando as verdadeiras palavras ) e as habilidades de decodificação (pronunciando logatomas ). Também reconhece a soletração pobre como uma característica da dislexia. A soletração esta intimamente relacionada com a leitura não só porque os sons estão ligados às letras, mas porque as palavras estão literalmente colocadas em código ao invés de meramente decifradas (S.Shaywitz, 2003). Talvez a mais importante mudança nesta parte da decodificação é o reconhecimento do que caracteriza os indivíduos disléxicos, particularmente disléxicos adolescentes e adultos: a inabilidade de ler fluentemente. Fluência é a habilidade de ler um texto rapidamente , precisamente e com bom entendimento. (Report of the National Panel, 2000; Wolf, Bowers, & Biddle, 2001). É a marca registrada de um bom leitor. Os dados indicam que leitores disléxicos podem melhorar a leitura conforme vão se tornando mais maduros mas continuam com falta de fluência, que resulta num sobre-esforço e lentidão. (Lefly & Pennington,1991; Shaywitz, 2003).
Essas dificuldades resultam tipicamente na deficiência do componente fonológico da linguagem.
A teoria sobre dislexia tem sido proposta baseada no sistema visual (Stein & Walsh,1997), e outros fatores como processamento temporal (auditivo) do estímulo dentro deste sistema (Talcott, et al., 2000; Tallal, 2000). Existe agora uma forte consciência dos investigadores neste campo de que, a dificuldade central na dislexia reflete um déficit dentro do sistema da linguagem (Ramus, et al., 2003 ). Investigadores de há muito sabem que a fala proporciona a quem a usa criar um infinito número de palavras combinando e permutando um pequeno número de segmentos fonológicos, as consoantes e vogais que servem como constituintes naturais da especialidade biológica: a linguagem. .Uma transcrição alfabética (leitura) mostra estas mesmas habilidades aos leitores, mas somente quando eles conectam estes caracteres arbitrários (representam o sistema fonológico por letras). Fazer esta conexão requer uma consciência de que todas as palavras podem ser decompostas em segmentos fonológicos. Essa consciência permite ao leitor conectar as letras (ortografia ) e a unidade da fala que eles representam (consciência fonológica ). A consciência de que todas as palavras podem ser decompostas nesses elementos básicos (fonemas), permite ao leitor decifrar o código de leitura. Para ler, a criança deve desenvolver a visão de que as palavras podem se dividir em fonemas e que estas letras numa palavra escrita, representem este som. Como mostram numerosos estudos, tal consciência, entretanto, não existe nas crianças e adultos disléxicos ( Bruck, 1992; Fletcher, et al.,199; Liberman & Shanweiler,1991).Estudos bem feitos em grandes populações com distúrbios de leitura confirmam que, na idade escolar de crianças e jovens (Fletcher, et al .,1994; Stanovich & Siegel,1994) assim como em adolescentes, (S.E.Shaywitz, et al.,1999) o déficit fonológico representa a mais forte e específica co-relação com o distúrbio de leitura. (Morris, et al.,1998 ).Tais achados formam a base para a melhor intervenção baseada em evidência destinada à melhora da leitura (Report of the National Reading Panel,2000).
Não é esperada em relação a outras habilidades cognitivas consideradas no grupo (faixa etária)
Essa afirmação gerou grande discussão no Comitê. Por outro lado o Comitê reconheceu que a noção de dificuldade inesperada no aprendizado da leitura é básico em quase todas as definições de dislexia, incluindo a definição de 1995 (Lyon,1995; Orton,1937 ).
Por outro lado, enquanto preserva o conceito de aprendizagem defasada, o Comitê não quer abraçar a idéia de que déficits básicos na decodificação e reconhecimento de palavras devam ser significantemente inferior ao QI como está especificado na fórmula de discrepância típica. “De fato há entre os pesquisadores e clínicos um conceito crescente da dependência da discrepância entre o QI (geralmente muito alto) e aquisição de leitura para o diagnóstico da dislexia(S. Shaywitz, 2003,p.137). Ao invés disso os dados sugerem que essa defasagem deve ser acessada através de comparação da idade de leitura com a idade cronológica e ou por comparação entre habilidade de ler o nível educacional e o professor envolvido. ( S.Shaywitz,2003,p.133) A maior preocupação que repousa nessa discrepância é que isso freqüentemente resulta num atraso na identificação do problema de leitura e esse atraso resulta no atraso no fornecimento de ensino adequado. (Fletcher ,et al 2002 and Lyon, et al 2003).
Novo neste componente da definição é o conceito de que a criança necessita de ensino adequado. A história de instrução individual é crítica no entendimento da natureza da dificuldade observada. Por exemplo, muitas crianças de risco vêm do meio ambiente não adequado com educação de pré-escola com falha. Portanto, freqüentemente, entram na escola com falha de muitas características lingüísticas essenciais e pré-requisitos para a leitura (ou seja, sensibilidade fonológica, vocabulário e motricidade fina) fatores críticos para proficiência da leitura. Se o ensino de leitura, fornecido para a criança na sala de aula não preencher as lacunas das habilidades fundamentais, e não for ajustado para se ensinar essas habilidades faltantes, ocorrerão falhas típicas na leitura (Lyon ,et al.,2001). Por outro lado, numerosos estudos recentes (Torgesen, 2000 ) mostraram muitas crianças identificadas como de risco na pré –escola e 1 a série fundamental e que lhes foram dadas ensino adequado desenvolveram proficiência desde cedo. Torgesen (2000) , afirma que a intervenção precoce tem a capacidade de reduzir a possível falha na leitura e escrita de 18% na população escolar, para de 1,4 até 5,4.
Mas, o estudo sobre intervenção precoce, resumido por Torgesen (2000), indica claramente que nenhum dos professores que atuaram na intervenção precoce foram igualmente efetivos para todas as crianças de risco estudadas, mesmo quando a intervenção foi feita intensamente por professores e profissionais (fonoaudiólogos e psicopedagogos) bem preparados.
Enquanto o Comitê discutia esses achados, surgiu um consenso de que o papel da história educacional deve ser levado muito a sério. Especificamente a falta de resposta para instrução científica dada é um fator que diferencia a dislexia severa agravada com ensino inadequado. Portanto a definição de dislexia de desenvolvimento e a identificação desses indivíduos, pode nos levar a desconfiar da qualidade de resposta dada por especialistas.
... Consequências secundárias podem influir na compreensão da leitura que impedirão o conhecimento do vocabulário.
É fato que o entendimento das dificuldades fonológicas leva a problemas de fluência e precisão, que pode levar a problemas de vocabulário. Tudo isso junto interfere na leitura e entendimento do texto como um todo. È importante afirmarmos que essa explicação remove o argumento antigo de que precisão e fluência na palavra escrita “não é realmente leitura”.
SUMÁRIO
Houve um relevante desenvolvimento na epidemiologia, neurobiologia e características lingüísticas e conectivas de dislexia, desde a definição inicial que o Comitê publicou em 1995. Assim também, desde 1995, nosso entendimento sobre dislexia tem sido formado por um número de intervenções e tratamentos que agora dão oportunidade de integrar as informações sobre a natureza e a magnitude da resposta, ao ensino no nosso conceito de dislexia de evolução. A definição proposta em 2003, discutida neste trabalho reflete nosso respeito à natureza dinâmica do processo científico e sua utilidade em aumentar nossa compreensão sobre a dislexia. Fizemos a revisão da definição de 1995, com base nas evidências relevantes no desenvolvimento da leitura e escrita, dificuldade de leitura e escrita e ensino da leitura e escrita. Mas a tarefa não está completa. Nosso entendimento de dislexia é um trabalho em andamento e irá continuar. Para termos certeza nos próximos cinco anos teremos de comparar pesquisas metodológicas e modalidades investigativas para o estudo da dislexia . Literalmente garantirá a aquisição de novos conhecimentos que mais tarde, modificarão a definição. A única constante é que isso e as futuras definições refletirão o que a ciência tem de melhor para oferecer.

(Tradução e adaptação do “Annals of Dyslexia” volume 53, 2003, feita por M.Ângela.N. Nico e José Carlos Ferreira de Souza).
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Depoimento

Respondendo uma pergunta de uma de minhas alunas de Didática:

Como funciona a sua mente?

Uma parte dela (importante): Dislexica mente. Alguns exemplos concretos: nunca tenho um só interesse, tenho múltiplos interesses sempre – sempre rsrs. Não me concentro em apenas um foco, vejo num objeto muitas possibilidades de criação, de ponto de vista, de diálogo - o que pode criar (e sempre cria) uma tempestade mental.  Eu penso muito e penso por imagens, escrevo por imagens, preciso ler em voz alta o que escrevo - sempre. Aprendo muito mais ouvindo que lendo, embora aprenda muito lendo. Então leio livros imensos em voz alta para mim mesma rsrs  Fui alfabetizada aos dez, onze anos de idade “por sorte”, alguém percebeu que havia algo errado, uma professora de português, Teresa, que tinha interesse em alfabetização de crianças com dificuldades de aprendizagem. E notou que havia uma contradição no meu ritmo.  Eu escrevia muito, gostava de escrever e o que eu escrevia era ilegível. rsrs Posso rir hoje disso. Mas na época eu era motivo de risada dos outros. O que me causou uma tremenda baixa autoestima - que carrego comigo. Passou a ser um defeito crônico. Por isso não suporto (mesmo) qualquer tipo de competição. Eu já entro querendo perder. Mas essas são consequências de certo atraso do diagnóstico misturado aos outros traumas de infância.
Uma questão séria: não conseguir associar fonema ao grafema e vice-versa.  Uma vez fui tentar explicar a uma professora de pós e ela me disse: “fala português, professora!”. rs Eu não pensava estar sendo arrogante com palavras como grafema e fonema, porque elas fizeram parte da minha vida desde da minha infância com a fono, a fonoaudióloga. Eu via nos textos uma sopa de letrinhas flutuando na superfície.  Existia um B que eu via/lia D, um T que eu lia V.   E cheguei a levar puxão de orelha de professora-tia que achava que eu estava debochando, então eu fui aprendendo truques de guardar de memória auditiva a palavra que ela queria que eu lesse, mas eu continuava sem saber.  Interessante, não? Na fala eu também trocava, falava “poda” ao invés de “bota”, “cato” ao invés de “gato”, tenho até hoje dificuldade com determinados encontros consonantais (falando o português, professora): dr, tr, br... Meu nome, por exemplo, PaTRicia,  era um dificuldade rs   Logo o Pat resolveu a questão, eu tenho uma imagem muito bacana dele.       
 Ainda lido com algumas palavras-gatilhos que me causam desorientação, não consigo visualizá-las, então recorro ao método de aproximação semântica, por isso tornei-me uma excelente aluna em latim, funciona como se as palavras fossem jogos de encaixe - legos, quanto mais eu conheço a origem, os mecanismos  da palavra, melhor eu lido com esses encaixes mentais, menos eu troco as sílabas de lugar.
A dislexia não está relacionada só a questão de leitura-escrita, ela pode ser mais ampla e atingir outras questões. No meu caso, não consegui aprender a dirigir, foram dez tentativas, dez – contadas.  rs Ainda não encontrei uma autoescola que tivesse esse tipo serviço especializado.  Não tenho sentido nenhum de direção, não guardo caminhos, não sei o que é direita e esquerda. E não adianta dizer que é a mão do relógio ou a mão que eu escrevo rsrsrsrs, eu não sei qual é mão do relógio nem a mão que eu escrevo.  Problemas com lateralidade. Eu tenho uma questão também motora, a minha grafia muda constantemente (os professores achavam que eu fazia de propósito rs),  tenho zero de habilidade pra desenho e pintura, eu me atrapalho. Na escola de freiras que estudei era um suplício, tinha que fazer potinho com florzinha, cabide de rendinha, porta retrato com estampa... Era um terrorismo! Eu tinha crises de choro quando tinha que cumprir obrigatoriamente esse tipo de tarefa.   Em contrapartida, eu dançava horrores rsrs E Aprendi todo tipo de dança (balé, dança contemporânea, samba, danças folclóricas) e ainda aprendo com enorme facilidade.  Meus pés então me compensam.  
 A ansiedade também é um gatilho. O medo é outro. Escola sempre foi um lugar de tortura pra mim. Infelizmente. Até hoje aprendo melhor sozinha - com intervenções, é claro. Por isso penso que a EAD, a Educação à Distância seja um excelente método para pessoas como eu – com esse tipo de dificuldade.  Hoje penso em fazer outra graduação dessa forma. Se eu pudesse voltar no tempo não faria presencial. Foi um longo desastre de sete anos e meio. Com um final  até legal.
Com o tempo aprendi a controlar boa parte dos sintomas. Agora mesmo, enquanto escrevo, estou falando em voz alta. Também aprendi  uma “super correção”.  Eu volto muitas vezes ao que eu escrevo,  volto e vejo, volto e vejo...  Claro, que passam erros que caiem na impossibilidade de ver.  Mas não gosto de photoshop. Aprendi a conviver e até mesmo gostar dos meus erros, eles me trazem de volta também para quem eu sou. Não posso esquecer quem eu sou e o quanto eu superei, e transgredi pra chegar aonde eu cheguei. E isso é importante para o disléxico, o exercício do autorreconhecimento.  
Hoje quando digo que tenho dislexia, as mesmas pessoas que antes ririam dos meus erros riem de descrença, como se uma pessoa disléxica não pudesse ter os resultados acadêmicos que eu obtive. São os mesmos preconceituosos de sempre, desde cedo aprendi que eles estão aí e provavelmente não vão mudar. 
Outra coisa: a minha organização de escrita na folha é completamente distinta, eu escrevo numa outra ordem que não é a esperada pelas pessoas. O computador me ajudou muito. É muito melhor que qualquer caneta, lápis... E eu espero que as crianças que tenham essa dificuldade aprendam em sala de aula com computadores, com notebooks. Faz uma grande diferença.  É uma excelente ferramenta que ainda ajuda a melhorar a autoestima.
Pra terminar: filmes, documentários, vídeos... Aprendo demais com eles.  Acredito que a maioria dos disléxicos também. Importante na hora de passar um vídeo, deixar a legenda, mesmo que seja na língua portuguesa.  Eu sempre vejo filme brasileiro com legenda. rs  
E tenho - acho que todo disléxico tem, até por pensar por imagens, uma imaginação incrível!
Acho que respondi um pouco. 

Observação:  o texto acima foi revisado disléxica mente... rs


Patrícia Porto

Pra conhecer mais:
http://dislexia.paginas.sapo.pt
http://www.dislexia.org.br/
http://www.andislexia.org.br/





ATUAÇÃO DO FONOAUDIÓLOGO NA DISLEXIA


DISLEXIA:



É uma dificuldade primária da aprendizagem que abrange: leitura, escrita e soletração ou uma combinação de duas ou três dessas dificuldades.

A criança geralmente herda a dislexia, portanto ela pode ter algum parente, pai, avó ou tio que também são disléxicos. A dislexia é mais comum em crianças, mas é possível encontrar esse distúrbio em adultos. Acomete tanto meninos como meninas.
As crianças disléxicas não são menos inteligentes, aliás muitas delas apresentam um grau de inteligência normal ou até superior ao da maioria da população.
A deficiência não pode ser encarada como motivo de vergonha, pois há diversos casos de pessoas bem sucedidas que sofrem com a dislexia como por exemplo, Tom Cruise (ator), Agatha Christie (escritora), Thomas Edison (inventor), entre outros.

Pré dislexia – Para pais Atentos.

Ainda na pré escola existem alguns sinais que podem nos revelar uma pré dislexia. A criança geralmente apresenta aquisição tardia da fala, pronúncia constantemente errada de algumas palavras, dificuldade em aprender cores, números, copiar seu próprio nome, aprender formas geométricas, dificuldades em recortar, dar laços, desenhar, distúrbio do sono, dificuldade em entender o que está ouvindo, etc. A criança costuma ser esquecida e não tem uma boa noção de sequência inclusive temporal.

Essa fase da pré dislexia é a fase mais importante para que se comece a intervenção (tratamento).

O trabalho de Prevenção pode ser feito ainda na primeira infância quando os pais ou professores estiverem atentos aos sinais de alerta. ATENÇÃO: Os sintomas que podem indicar a dislexia, antes de um diagnóstico multidisciplinar, só indicam um distúrbio de aprendizagem, os sintomas não confirmam a dislexia. Somente um profissional capacitado poderá diagnosticar a dislexia. A terapia precoce proporciona os melhores resultados! Se for necessário o fonoaudiólogo o encaminhará a outros profissionais incluindo Psicólogo, Neurologista, Oftalmologista e outros profissionais conforme o caso.

Sendo o Fonoaudiólogo considerado o profissional mais capacitado para o tratamento de um disléxico, o Profissional baseará em reforçar todas as habilidades linguísticas, focando na relação fonema e grafema, na associação do som-símbolo-produção, e no jogo com a estrutura das palavras e entre outros...



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