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Por ser criança


Algarve, 1957.

Por ser criança


Bartolomeu Campos de Queirós
                 
         Por ser ainda criança, também seu olhar é jovem. E por ser criança, ela tem a fantasia como instrumento para explicar o mundo. E com desmedo da liberdade, guiada pela espontaneidade, ela invade tudo que seu olhar alcança sem duvidar de seu entendimento. A fantasia é sua verdade. Mas não é fácil ser criança. O mundo é muito vasto e a vida, muito pequena. Há ilimitadas coisas para suspeitar e muitas para adivinhar. As cores trocam de nuances, as nuvens se movem sempre, os sons trocam de tons, o dia se faz noite, as estrelas dormem com a luz do sol, as chuvas caem do nada, a curiosidade pela língua dos animais, o trajeto incontrolável do tempo e o vazio vão até o muito longe. E o mais difícil em ser criança é desentender o porquê da dor, desconhecer onde a boca busca o sorriso, porque a lágrima é de sal, não saber o percurso do mundo, onde vivia o sonho antes de ser sonhado, e quem deu nome a todas as coisas. E o mais impossível acontece quando ela se pergunta, em silêncio, “por que eu sou eu e o outro é o outro”, e o espelho permanece mudo. Sem a posse das palavras, mais penoso se torna escutar o mundo que sai de nossa boca, já adulta e fatigada. Daí as crianças serem tão felizes entre elas sem escutar o nosso “não” para interditar seus desejos. Sim. Também não é tarefa simples a nossa, pessoas vaidosas de já possuir muito tempo e grávidas de tanto saber: reconhecer as sombrias dúvidas que inauguram a infância. Dúvidas que jamais serão respondidas, pois atrás de cada descoberta nasce um outro mistério. Seremos sempre analfabetos diante dos tantos segredos que o universo camufla. Há sempre um outro mundo depois do mundo. Mas cismamos em determinar o caminho para ser por elas seguido, sem reconhecer que elas pensam, investem, contemplam e poderão traçá-lo.
         E assim, aos poucos, a criança fica mais longe do nó inicial e se adentra vida afora. Sem pressa, ela vai revelando o mundo dos seus conflitos. Inconformada com a longa distância existente entre o real e a fantasia, ela anseia ter espaço para dar corpo à sua ideia de mundo.

O menino Bartolomeu.

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