A livraria no Brasil, de uma forma geral, é hoje uma boutique de livros. Lembrando a ironia tão peculiar de Nelson Rodrigues, que tão bem dizia que “toda unanimidade é burra”, esta é uma constatação, de fato, quase unânime. Claro, sem ofender às boas livrarias que resistem bravamente à avalanche das novidades, cada vez que entro em certas duas ou três livrarias de shopping e olho aquelas mesas-vitrines com aquela quantidade enorme de livros que já foram vendidos aos milhões mundo afora, sou convidada a sentir certa náusea.
Não vejo diferença entre esse tipo de estabelecimento e a sapataria do andar de baixo. O sujeito olha, sente aquele já conhecido comichão do consumo e acaba levando para casa o mais recente título, sem que isso faça muito sentido pra ele. “É o último lançamento, você não pode perder essa oportunidade de colocar na sua estante”. E o sujeito, mais consumidor que leitor, mais colecionador que leitor, compra mais um para não ler, ou para ler enviesado, achando inclusive que se perder aquele título ficará out do “mercado fresco dos livros contemporâneos”, formado por celebridades editoriais, youtubers, apresentadores de TV, atletas… Afinal, não é mais necessário saber escrever para lançar livros.
O que nos resta para além das livrarias e do consumo sem freios? O que resta para os que não têm acesso a esse consumo? Bibliotecas? Como formar o leitor que não participa desta festa do consumo, no tempo em que se fecham boas bibliotecas e não há investimentos nas escolas públicas?
Sei, à flor da pele, que nas escolas públicas, pelo menos, naquelas onde estudei e trabalhei, biblioteca sempre foi um depósito de livros didáticos desatualizados, vigiados por professores afastados de suas salas de aulas, provavelmente por problemas de ordem mental e emocional.
E a internet? Tem porcaria, é claro, mas tem também muita gente boa no desconhecimento parcial ou total. Dá uma alegria ao entrar em blogs e sites e ler gente escrevendo bem por aí. Então, viva a sinestesia e o café, que nos mantêm firmes e alertas! Viva a capacidade de alcance transversal do ciberespaço, que não nos deixa mais isolados na morte – quase literal – do autor.
Mas voltando ao fio dessa meada e às livrarias, gostaria de exaltar a existência e a persistência dos sebos. Aquele lugar aonde os verdadeiros viciados em livros não se cansam de ir, mesmo que o nariz fique todo esfolado de tanta rinite. Ah, um viva imenso aos sebos! Deveríamos abraçar coletivamente os sebos assim como fazemos com árvores e lagoas. Faria um bem danado à natureza humana, tão saturada de clichês. A cidade agradeceria e as crianças, sedentas por leitura, também.
Vou parar de escrever para aplaudir agora mesmo – de pé – o bom e velho sebo com seus bons e velhos clássicos, verdadeiras adegas centenárias de literaturas finíssimas, como Camões, Dante, Dostoiévski e tantos mais, assim como os brasileiros de ótima safra, Machado, Guimarães Rosa, Lima Barreto, Sousândrade, Manuel Bandeira, além do tanto de literatura infanto-juvenil que encontramos no caminho.
Eu sou realmente um bicho de sebo. Sempre me perco e me encontro na minha garimpagem particular por iguarias de letras pequenas e consumo difícil. Os da Tiradentes e do Catete são ótimos. Sou capaz de tirar a fórceps um velho exemplar de Graciliano Ramos ou José Lins do Rego entre um amontoado de tesouros. Como pirata ou fantasma, escavo títulos e me confundo com velhas assombrações. Mergulho no absurdo em direção oposta. E saio de lá sempre confortada.
Precisamos levar as crianças aos velhos relicários do mundo da leitura, antes que o último deles encerre nossas buscas por preciosidades. E torcer para que novos tempos e novas oportunidades de leitura surjam nas tantas imprevisibilidades do cotidiano.
Patricia Porto
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