(Esta crônica é dedicada ao Seu Hélio, um gentil e sensível homem de letras e livros.)
A livraria no Brasil, de uma forma geral, é hoje uma boutique de livros. Lembrando a ironia tão peculiar de Nelson Rodrigues que tão bem dizia: “toda unanimidade é burra”, penso que esta é uma constatação quase unânime. Claro, sem ofender às tantas boas livrarias que resistem bravamente à avalanche das novidades, cada vez que entro em certas duas ou três livrarias de shopping e olho aquelas mesas-vitrines com aquela quantidade enorme de livros que já foram vendidos aos milhões mundo afora, sou convidada a sentir certa náusea. Não vejo diferença entre esse tipo de livraria de shopping e a sapataria de shopping. São expostos modelos e mais modelos com muitos títulos apelativos numa orgia de temas pra lá de “best seller”. O sujeito olha, sente aquela já conhecida comichão do consumo e acaba levando para casa o último tipo de título sem que isso faça muito sentido pra ele.
“É o último lançamento, você não pode perder essa oportunidade de colocar na sua estante.” E o sujeito mais consumidor que leitor, mais colecionador que leitor, acreditando no papo furado do consumo alienante, compra mais um para não ler ou ler enviesado, achando inclusive que se perder aquele título ficará “out” do universo leitor, um ser totalmente desatualizado do mundo “fashion” livresco ou do “mercado fresco dos livros contemporâneos”, que de frescor tem mais é a afetação das celebridades editoriais, verdadeiros caça-niqueis dos novos nichos de mercado, distribuído em cores, tipos e tamanhos para todos os olhos, para todo gosto ou mau gosto. E eles pegam pesado. É coisa de mercado agressivo para o intelecto. E o que mais me impressiona é constatar que realmente não se precisa mais saber escrever para lançar livros. Tem muito livro-lixo nas bancas das livrarias. E usando de muita sinceridade, esse suicídio também burro, talvez seja até um entrave saber escrever se pensarmos no público que não lê, “ops”, desculpe, no público que só consome, junta, acumula, não pode perder uma promoção, um "best fashion".
O que nos resta para além das livrarias e do consumo sem freios? O que resta para os que não tem acesso a esse consumo? Bibliotecas? Bibliotecas públicas? Como formar o leitor das camadas populares no tempo em que se fecham boas bibliotecas e não há investimentos nas escolas públicas?
“É o último lançamento, você não pode perder essa oportunidade de colocar na sua estante.” E o sujeito mais consumidor que leitor, mais colecionador que leitor, acreditando no papo furado do consumo alienante, compra mais um para não ler ou ler enviesado, achando inclusive que se perder aquele título ficará “out” do universo leitor, um ser totalmente desatualizado do mundo “fashion” livresco ou do “mercado fresco dos livros contemporâneos”, que de frescor tem mais é a afetação das celebridades editoriais, verdadeiros caça-niqueis dos novos nichos de mercado, distribuído em cores, tipos e tamanhos para todos os olhos, para todo gosto ou mau gosto. E eles pegam pesado. É coisa de mercado agressivo para o intelecto. E o que mais me impressiona é constatar que realmente não se precisa mais saber escrever para lançar livros. Tem muito livro-lixo nas bancas das livrarias. E usando de muita sinceridade, esse suicídio também burro, talvez seja até um entrave saber escrever se pensarmos no público que não lê, “ops”, desculpe, no público que só consome, junta, acumula, não pode perder uma promoção, um "best fashion".
O que nos resta para além das livrarias e do consumo sem freios? O que resta para os que não tem acesso a esse consumo? Bibliotecas? Bibliotecas públicas? Como formar o leitor das camadas populares no tempo em que se fecham boas bibliotecas e não há investimentos nas escolas públicas?
Sei, à flor da pele, que nas escolas públicas, pelo menos as que estudei e trabalhei, biblioteca sempre foi um depósito de livros didáticos desatualizados sendo vigiados por professores afastados de suas salas de aulas, provavelmente por problemas de ordem mental e emocional. Vontade de cortar os pulsos com a caneta vermelha? Como são tristes as coisas consideradas sem ênfase", diria Drummond. Como são tristes as pessoas consideradas sem ênfase. Os professores considerados sem ênfase com bibliotecas e escolas consideradas sem ênfase.
E a internet?
Tem porcaria, é claro, mas tem também muita gente boa no desconhecimento parcial ou total. Dá uma vontade de alegria ao entrar em blogs e sites e ler gente escrevendo bem por aí. Então viva a sinestesia e o café - que nos mantém firmes e alertas! Viva a capacidade de alcance transversal do ciberespaço, que não nos deixa mais isolados na morte – literal - do autor.
E a internet?
Tem porcaria, é claro, mas tem também muita gente boa no desconhecimento parcial ou total. Dá uma vontade de alegria ao entrar em blogs e sites e ler gente escrevendo bem por aí. Então viva a sinestesia e o café - que nos mantém firmes e alertas! Viva a capacidade de alcance transversal do ciberespaço, que não nos deixa mais isolados na morte – literal - do autor.
Mas voltando ao fio dessa meada e às livrarias para deixá-las de vez em paz, vendendo, lucrando e festejando os números e não as letras, gostaria de exaltar a existência e a persistência dos sebos. Aquele lugar que os verdadeiros viciados em livros – como eu, não se cansam de ir, mesmo que o nariz fique todo esfolado de tanta rinite. Ah, um “viva” imenso aos sebos! Deveríamos abraçar coletivamente os sebos assim como fazemos com árvores e lagoas. Faria um bem danado à natureza humana tão saturada de clichês. A cidade agradeceria e as crianças, passarinhos sedentos do alimento da leitura, também.
Vou parar de escrever para aplaudir agora mesmo – de pé – o bom e velho sebo com seus bons e velhos clássicos, verdadeiras adegas centenárias com literaturas finíssimas, como um Camões, um Dante, Dostoiévski e tantos mais, os brasileiros de ótima safra: Machado, Guimarães Rosa, Lima Barreto, Sousândrade, Manuel Bandeira etc, e na muita literatura infanto-juvenil que encontramos no caminho.
Eu sou realmente um bicho de sebo. Longe dos velhos tempos dos mosteiros e do tempo dos livros enclausurados e longe por opção dos novos templos dos shoppings e da promoção relâmpago que lança e privilegia livros apertados que maltratam a mente, sinto-me abastecida e tocada na minha garimpagem particular por iguarias de letras pequenas e consumo difícil. Os da Tiradentes e do Catete são ótimos. Sou capaz de tirar a fórceps um velho exemplar de Graciliano Ramos ou José Lins do Rego entre um amontoado de tesouros. Como pirata ou fantasma, escavo títulos e me confundo com velhas assombrações. Mergulho no absurdo em direção oposta. E saio de lá sempre confortada.
Precisamos levar às crianças aos velhos relicários do mundo da leitura, antes que o último deles encerre nossas buscas por preciosidades. E torcer para que novos tempos e novas oportunidades de leitura surjam nas tantas imprevisibilidades do cotidiano.
Precisamos levar às crianças aos velhos relicários do mundo da leitura, antes que o último deles encerre nossas buscas por preciosidades. E torcer para que novos tempos e novas oportunidades de leitura surjam nas tantas imprevisibilidades do cotidiano.
Patrícia Porto
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